Três Cordas

JOÃO LENO

Tenho um amigo que diz que, para cada situação da vida, há uma música (e letra) dos Beatles que explica ou justifica o acontecimento. Não o vejo há tempo, mas dizem que está em Londres, onde ganha alguns pennies, (tra)vestido de John Lennon.

Os turistas tiram fotos dele, atravessando a faixa zebrada de Abbey Road e gritando: “Where are the other lads?”.

Já apareceu em vários filmes e documentários sobre os Fab Four, onde convence (quase) todo o mundo que John Lennon (assim como Elvis) não morreu.

Espero notícias dele, já que vivo de vender os autógrafos que faz para mim, em velhos LPs dos Beatles. Vendo tudo para velhos fãs otários, que acreditam nisso, como acreditariam no verdadeiro pedaço da cruz.

PEIXE Fontoura

*

PAU NACARA

Ah é? E o meu amigo Pau, que dublava os Beatles na Rua da Praia armado de uma peruca e um cabo de vassoura (simulando um baixo de canhoto)? Pra quem passava, o rapaz levava jeito, não fosse a vesgueira evidente, o cabelo pixaim aparecendo sob a peruca e a dois dentes quebrados quando abria a boca.

Pensando bem, sua dublagem era mais um yé, yé, yé permanente, e o chinelo de dedo tambem não ajudava. Mas era o espírito, entende?

Como quem passava apressado pro trabalho nem parava e os estudantes matando aula no centro faziam gozação, Pau decidiu trocar de audiência. Mudou pra tarde quando as dozas tinham um intervalo e vinham passear por ali.

Dava o maior Ibope com elas, que sorriam com sinceridade, pediam autógrafos, e sempre solicitavam uma palhinha daquela do Valdik Soriano, “Nós Somos Dois Sem Vergonha.”

Entre um yé-yé e outro, dava uns pegas numa garrafinha de cachacca. O chapéu encardido coletava gorgetas. Jurava que o nome não era inventado pois tinha sangue de japa.

Sonhava em voar pros states mas caiu em coma alcólica no cais do porto. Foi enterrado como indigente. Dizem que todo ano, uma mulher de preto visita sua cruz sem nome e deixa uma flor e um cabo de vassoura.

WESLEY Coll

*

GEORGIANA

Pois é, e também teve o caso da pirada beatlemaníaca Georgiana que pegou a minguada aposentadoria de professora, juntou daqui e dali e se tocou pra realizar o velho sonho de encontrar o caminho de Blue Jay Way.

Só que névoa nenhuma baixou em L.A. quando ela descobriu a rua, a casa, a mansão aerodinâmica onde a canção fora escrita. Tinha passado 40 anos imaginando a cena, o fog, um rastro violeta, os bizarros e distorcidos sons sugerindo lugares fosforescentes.

Agora ali estava a casa que alguns fanáticos tinham ocupado tempos atrás e que depois virou um pequeno museu. E era tudo tão terrivelmente…real. Ignorou os penduricalhos e as lembrancinhas grotescas vendidas por preços astronômicos na entrada.

Até esqueceu que tinha pensado – literalmente – em tirar uma lasquinha do velho órgão Hammond, caduca relíquia protegida por cordas. Não se sabe se riu ou chorou. Talvez os dois. Um guarda julgou ter ouvido algumas gargalhadas ecoando nas salas da casa imensa onde ela era a única visitante.

Sem olhar para trás, desceu as colinas de Hollywood com o velho disco rodando na cabeça e partiu para outras.

LIGIA Savio

One thought on “Três Cordas

  1. Luiz Peixe says:

    Três cordas (às vezes) permitem uma sinfonia.
    Thanks for the pepperoni, Ligia & Wesley!!!!!!!!!!!!

    Like

Leave a comment

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.